A Fonte das Mulheres (2011)

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Um vilarejo nas montanhas. sem água. Homens privilegiados por dogmas religiosos. Mulheres, cansadas de abortar na perigosa trilha para buscar água, decidem reivindicar seus direitos com uma ‘greve de amor’.

Esse belíssimo filme foi baseado em um fato real ocorrido em uma aldeia na Turquia, onde as mulheres fizeram uma ‘greve de amor’ para forçar seus maridos a resolver o problema de abastecimento de água. Contada com humor, a história foi inspirada na peça ‘Lisístrata’ de Aristófanes, procurando preservar a dimensão política do gesto daquelas mulheres.

Segundo o diretor, “A atitude delas foi uma afirmação de poder pelo sexo, gesto que servia para criar uma alegoria cinematográfica sobre a recente ascensão feminina à liderança governamental de vários locais em diversos países… A palavra ‘fonte’ no título foi usada porque as mulheres são a fonte de tudo o que é sereno; acreditar na força do poder feminino é acreditar na serenidade.”


Título Original: La Source des Femmes | The Source

Direção: Radu Mihăileanu

Avaliação: IMDB 7,3 |  Roger Ebert — |  Rotten Tomatoes 63% | 68%


  Desde Sócrates (470 a.C.- 399 a.C), muitos filósofos refletiram sobre a existência humana, passando pelos estoicos, Santo Agostinho (354-430), Blaise Pascal (1623-1662), Friedrich Nietzsche (1844-1900) e Henri Bergson (1859-1941), mas nem por isso podem ser chamados de filósofos existencialistas. Mesmo entre os pensadores alinhados às doutrinas da existência, encontram-se posições diversas que vão do chamado existencialismo cristão, representado pelo dinamarquês Sören Kierkegaard (1813-1855) – considerado o precursor do movimento, o francês Gabriel Marcel (1889-1973) e o alemão Karl Jaspers (1883-1969), até o existencialismo ateu, de Jean-Paul Sartre (1905-1980), do filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976) e dos escritores franceses Albert Camus (1913-1960) e Simone de Beauvoir (1908-1986).

Søren Kierkegaard partia da ideia que o indivíduo é o único responsável em dar significado à sua vida e em vivê-la de maneira íntegra, sincera e apaixonada, apesar da existência de distrações existenciais como o desespero (tendência de criar uma relação fantasiosa consigo mesmo), o absurdo (conflito ideológico entre a tendência humana de buscar significado inerente à vida e a inabilidade humana para encontrar algum significado), a alienação (falta de consciência do ser humano de que possui responsabilidade para ditar sua história) e o tédio.

Sartre, maior expoente da filosofia existencialista, afirma que o homem primeiro existe no mundo – e depois se realiza, se define por meio de suas ações e pelo que faz com sua vida. A existência precede a essência.

Segundo ele, a liberdade é incondicional. O homem está condenado a ser livre: “Condenado porque não se criou a si próprio; e, no entanto, livre, porque uma vez lançado ao mundo, é responsável por tudo quanto fizer.”

Para o existencialismo, o homem deve se fazer homem, a cada instante de sua vida, pelo conjunto das decisões que adota no dia-a-dia. O futuro é colocado em suas mãos, com total autonomia moral, política e existencial, e responsabilidade por seus atos, o que implica na escolha do bem e nunca do mal (‘O Existencialismo é um Humanismo’, de Jean-Paul Sartre).

Somos indivíduos livres e nossa liberdade nos condena a tomarmos decisões durante toda a nossa vida. Não existem valores ou regras eternas, a partir das quais podemos no guiar. E isto torna mais importantes nossas decisões, nossas escolhas.
— JEAN-PAUL SARTRE —

‘A Fonte das Mulheres’ fala essencialmente sobre a importância do conhecimento e da responsabilidade por tudo o que nos acontece para a realização da liberdade de sermos quem podemos ser, para existirmos de fato – conforme explicitado na própria narrativa.

Aborda também outra questão que atinge, em alguma instância, a todos: as religiões, quando distanciadas do princípio que as gerou – a busca da espiritualidade, do viver em união; quando transformadas em conjuntos de regras e proibições misturadas à uma complexa rede de fatores sociais, políticos, econômicos, raciais e étnicos, aproveitando a tendência do ser humano de buscar significado para a vida, de ser inconsciente da própria responsabilidade e de ser passivo moralmente, pois requer pouco esforço emocional fazer o que é mandado, não tomar decisões.

Neste contexto, as religiões incentivam a busca de algo fora – a atribuição da felicidade ou infelicidade a um terceiro, neste caso Deus (ou afim em cada religião), uma antítese à autorresponsabilidade, e, por conseguinte, à própria espiritualidade e aos preceitos existenciais, que pressupõem a responsabilidade do indivíduo para evolução em direção à sua essência, muito embora diferem quanto à precedência desta sobre a existência.

Uma das crenças mais enraizadas no
ser humano é a de que o outro é
culpado pela sua infelicidade.
Enquanto não perceber que é você
quem gera sua própria perturbação,
não será possível fazer nada a respeito.
Quando não assume responsabilidade
por aquilo que acontece, você coloca
sua vida na mão do outro.
— SRI PREM BABA —

A distorção na interpretação dos princípios básicos das religiões – neste caso do islamismo, mas que se aplica a qualquer religião – é apresentada ao longo de toda a narrativa, especialmente no encontro entre um grupo de mulheres e seu imame (pregador no culto islâmico), onde são questionadas, com base nas escrituras, as regras que limitam suas vidas.

O que é a religião?
É a felicidade de comungar com Alá (Deus).
O Islã nos dá as regras da vida em comum, do respeito ao outro, do amor e satisfaz nossa sede de espiritualidade.
Ele nos eleva!
Todos, todas!
Todo o resto não passa de uma interpretação, desvio das santas escrituras, por interesses pessoais, imame!
Olhemos o começo. O Altíssimo disse: “Em nome de Alá, o Clemente, o Misericordioso. Ó humanos, temei vosso Senhor que vos criou de um só ser, do qual criou sua companheira, e, de ambos, fez descender inumeráveis homens e mulheres.”
Escutemos o hadith (narração autêntica), relatado por al-Tirmidhi: “As mulheres são as irmãs dos homens.”
O Profeta, paz e bênção sobre ele, quis os homens e as mulheres iguais. Iguais, Imame!
Igual não quer dizer os homens no alto, ordenando, decidindo, e as mulheres abaixo, obedecendo e procriando. Igual não quer dizer mulheres espancadas.
Sim, eu leio, imame. E não só o Alcorão.
Sim, eu penso e sei que isto deixa muitos nervosos na aldeia.
Mas por que não temos o direito de ler, escrever, pensar, interpretar?
Alcorão [58:11]: “Dentre vós, Alá irá erguer em níveis aqueles que creram e receberam conhecimento. Ele Alá está Ciente de tudo aquilo que fazem.”
Quem não quer que as mulheres sejam elevadas por Alá? Elas não são tão muçulmanas quanto os homens?
Imame, a seca atinge nossa terra e nossos corações.
É o único problema.
Ora, a terra fértil somos nós.
Somos nós que damos a vida.
Por que não decidimos tanto quanto os homens sobre nosso futuro?
Os homens devem trazer a água!
(TRECHO DA NARRATIVA – REUNIÃO DAS MULHERES COM IMAME)

Este filme levanta importantíssima questão sobre as interpretações, muitas vezes deturpadas, dadas pelas religiões aos princípios que as geraram, e acima de tudo, sobre sua aceitação sem questionamento, sobre a fé cega; lembra-nos que somos resultado de nossos pensamentos, sentimentos e ações. Somos essencialmente livres. Namastê!

O homem não pode
ser mais homem do
que os outros, porque
a liberdade é
semelhantemente
infinita em cada um.
— JEAN-PAUL SARTRE —

 


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