A Luz é para Todos (1947)

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Para escrever um artigo sobre antissemitismo, um jornalista decide mudar sua identidade e viver como judeu durante seis meses. Uma crítica contundente à ‘cumplicidade silenciosa’ com a intolerância face ao que é diferente pelas denominadas ‘boas pessoas’.

Rodrigo de Oliveira, em ‘Papo de Cinema‘, explicita muito bem a significância deste filme: “Não deixa de ser impressionante que A Luz é para Todos tenha sido realizado em 1947 e continue tão atual. O preconceito que permeia os personagens do longa-metragem dirigido por Elia Kazan é observado até hoje. Se no filme a questão é centralizada no antissemitismo, poderíamos facilmente trocar os judeus por outros grupos que sofrem com a intolerância da sociedade e ainda teríamos um enredo cruelmente contemporâneo… A Luz é para Todos possui, sim, momentos bastante ingênuos, que para plateias atuais podem soar verdadeiramente datados. Mas como o tema central é a intolerância, é inegável (e triste) que estejamos vivendo ainda uma época não tão diferente da retratada no ótimo trabalho de Elia Kazan. Bom seria se tudo aquilo ali mostrado não existisse mais, sendo apenas uma polaroid de um tempo distante e esquecido. Não é o que acontece, infelizmente.”.


Título Original: Gentlemen’s Agreement

Direção: Elia Kazan

Avaliação: IMDB 7,4 |  Roger Ebert — |  Rotten Tomatoes 78% | 77%


   As palavras de Pitágoras (570 – 495 a.C.), “o universo é uma harmonia de contrários”, explicitam duas das maiores riquezas do ser humano: a diversidade, forma única de cada ser manifestar o amor através de seus dons e talentos, e a espiritualidade, que na prática é a capacidade de relacionar-se com o outro sem machucá-lo ou se machucar. Ambas, expressões da essência (amorosa) de todo ser.

A existência de indivíduos diferentes, com suas diferentes culturas, etnias e gerações faz com que o mundo se torne mais completo, mas a convivência somente é possível se essas diferenças forem respeitadas.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada na Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, diz que não deve haver, em nenhum momento, discriminação por raça, cor, gênero, idioma, nacionalidade, opinião ou qualquer outro motivo, como também registra o direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas opiniões e o de procurar, receber e difundir, informações e ideias por qualquer meio de expressão, sem consideração de fronteiras.

As razões da divergência
são mais úteis do que as
da concordância, porque
suscitam reflexão e o
reexame de nossas
opiniões.
— BENEDITO CALHEIROS BONFIM —

‘Acordo de Cavalheiros’, tradução literal do título original, ‘Gentlemen’s Agreement’, explicita o real teor deste filme, que fala sobre preconceito e discriminação, mas não sobre o preconceituoso em si,  o ‘agente’ do ódio e da violência, ou mesmo sobre quem sofre com o preconceito, mas sobre as ‘boas pessoas’, aquelas que criticam a discriminação, mas silenciam frente a palavras e ações preconceituosas.

O que me assusta não
são as ações e os gritos
das pessoas más, mas
a indiferença e o silêncio
das pessoas boas.
— MARTIN LUTHER KING JR. —

Essa frase, de valor inquestionável, é exata. É sob o silêncio cúmplice de pessoas ‘decentes‘ que o preconceito é ratificado e alguns dos maiores crimes acabam sendo perpetrados.

Martin Niemöller (1892-1984), pastor luterano simpatizante do nazismo no início do movimento, também se manifestou a respeito dessa cumplicidade: “Um dia, vieram e levaram meu vizinho, que era judeu. Como não sou judeu, não me incomodei. No dia seguinte, vieram e levaram meu outro vizinho, que era comunista. Como não sou comunista, não me incomodei. No terceiro dia, vieram e levaram meu vizinho católico. Como não sou católico, não me incomodei. No quarto dia, vieram e me levaram. Já não havia mais ninguém para reclamar.”

Se você é neutro em
situações de injustiça,
você escolhe o lado
do opressor.
— DESMOND TUTU —

O silêncio e a neutralidade só ajudam o opressor. Uma afirmação dura. Uma tradução do expressão popular “quem cala, consente” e leva à necessidade da compreensão da tênue diferença entre o respeito e a conivência.

Respeitar é diferente de aceitar. Também é diferente de tolerar, no sentido de suportar com condescendência. Não é necessário aceitar aquilo que difere de nossas convicções pessoais.

Respeitar consiste em abrir mão da violência, da injúria, mas também do descaso e da indiferença. Devemos respeito não apenas aos indivíduos, mas aos nossos princípios. E devemos ser coerentes com eles.

O respeito é também uma exigência para ambas as partes. Devemos respeitar os direitos básicos de qualquer indivíduo, mas nunca o direito que esse eventualmente se atribua de violar os direitos de outros indivíduos. Em outras palavras, deve-se respeitar o indivíduo, mas não um ato de violência deste, o qual deve ser criticado e denunciado.

O pior mal é aquele

ao qual nos acostumamos. 

— JEAN-PAUL SARTRE —

A partir do momento que um ser humano é capaz de sobrepôr uma dúvida a uma determinada prática cultural, é porque esta dúvida é acessível a todos os que partilham dessa mesma cultura, e a mudança, conseqüentemente, possível. As mentes só são capazes de mudar quando descobrem, sozinhas ou pela mediação de outras mentes, que há outras visões melhores.

Por isso é fundamental que alguns tenham a coragem de iniciar o debate, confrontando falsas verdades consagradas pelo senso comum. A escravidão só acabou porque alguns pioneiros ergueram suas vozes solitárias e se expuseram ao ridículo. As ditaduras só acabam quando alguns indivíduos têm a coragem de se opôr à repressão e clamar por mudanças.

Nem tudo que se enfrenta
pode ser modificado, mas
nada pode ser modificado
até que seja enfrentado.
— JAMES BALDWIN —

Não é fácil abandonar hábitos cultivados há gerações, mas, como disse Nelson Mandela, “ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele ou por sua origem ou sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se elas aprendem a odiar, podem ser ensinadas a amar, pois o amor chega mais naturalmente ao coração humano do que o seu oposto. A bondade humana é uma chama que pode ser oculta, jamais extinta.”

Preconceito e  respeito são aprendidos em todos os lugares – na família, na escola, na sociedade. Visões intolerantes devem ser transformadas e ‘ressignificadas’, não para doutrinar ou censurar, mas para garantir o respeito à divergência.

Respeitar significa reconhecer que existem diferenças entre as pessoas, e nem por isso necessariamente umas têm mais valia que outras. Significa conviver harmonicamente em uma sociedade indubitavelmente plural, diversa e heterogênea. Significa não impor determinada visão de mundo em preferência à outra, e sim dar margem para que as diversas visões de mundo possam coexistir pacificamente.

Criticar, em contrapartida, não implica necessariamente em desrespeitar, mas evitar ser conivente com ideias e práticas que resultem em discriminação ou mesmo em violência contra outros, por pensarem ou agirem pacificamente de forma distinta.

‘A Luz é para Todos’ mostra-nos que, diante do ódio e da intolerância, o silêncio não é neutro. É também uma opinião, uma forma de manifestação, e precisamos estar atentos para que seja, assim como as palavras e ações, uma afirmação de amor – de viver sem machucar a si e ao outro. Namastê!


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